quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Música na Idade Média

Cristão e Muçulmano tocando alaúde em uma miniatura que 
reproduz as Cantigas de Santa Maria de Alfonso X. 

http://www.youtube.com/watch?v=7RCM2IeiB00


A música ocidental hodierna tem suas raízes não nos clássicos gregos e romanos (sua influência sobre a música medieval existiu, mas dela sobraram poucos resquícios na atualidade), mas no Canto Gregoriano, também conhecido como cantochão, que foi o canto litúrgico da Igreja Romana.

http://www.youtube.com/watch?v=Aoj2kGBddRA

Conforme nos relata Otto Maria Carpeaux, em seu clássico Uma Nova História da Música (Rio de Janeiro, Editorial Alhambra, 1977, p. 15), nas melodias do cantochão encontramos, escondidos, fragmentos de hinos cantados nos templos gregos e dos salmos que acompanhavam o culto no Templo de Jerusalém. Entretanto, não sabemos sua real proporção de participação nessas melodias. Também as liturgias que precederam a reforma do canto eclesiástico, empreendida pelo papa Gregório I (São Gregório Magno) tiveram alguma influência na música medieval, mas desconhecemos onde ela se deu. Também houve influência da música galicana (igreja francesa, com seus rituais e suas leis, atualmente desaparecidos), da liturgia e do canto ambrosianos (até hoje cantados em Milão), da liturgia visigótica ou moçárabe (que sobrevive até hoje em algumas igrejas de Toledo). Como nos diz Carpeaux, “a única música litúrgica católica que conta para o Ocidente, é o Coral Gregoriano, a liturgia à qual Gregório I, o Grande (590-604) concedeu espécie de monopólio na Igreja Romana”.


http://www.youtube.com/watch?v=7RCM2IeiB00&feature=share


Os instrumentos


Músico toca a viela, no século XIV. Manuscrito medieval. 


Os instrumentos usados para tocar a música medieval existem até os dias atuais, em formatos diferentes. A flauta era feita de madeira e não de prata, ou outro metal. Podia ser assoprada pelo lado ou pelo fim do tubo. A flauta doce praticamente manteve sua forma atual. 

http://www.youtube.com/watch?v=R6aYpeXvEO8



Gemshorn Alt.jpg
O corno.


O corno é semelhante à flauta, com buracos para os dedos na sua face frontal. Pertence à família da ocarina, um instrumento de sopro de aproximadamente 12 mil anos. 


Ocarinas.jpg
Ocarina.
                                                             

Um dos precursores da flauta foi a flauta de tubos (pan flute), também de origem muito antiga, provavelmente helenística. Ainda é comum nos países andinos. Era feita de tubos de madeira de diferentes comprimentos, muitas vezes de bambu ou uma cana maior, a fim de se produzir sons diferentes. Em representações pictóricas vemos o deus Pan tocando esta flauta, daí o seu nome. É considerada ancestral do órgão de sopro e da harmônica. 

http://www.youtube.com/watch?v=6GRLRm9oKUM

A música medieval usa muitos instrumentos de corda, como o alaúde, a mandora (ancestral do mandolin), a guittern (ou guitarra primitiva), o saltério (da família da harpa) e o dulcímero (assemelhado ao saltério) o qual se toca com baquetas. Esses instrumentos foram desenvolvidos pela evolução da tecnologia vinda do Oriente (China, Japão e Índia), bem como do Oriente Médio, a partir do século XIV. 



File:Deutsches Museum (121282543).jpg
Diversos tipos de alaúdes.


File:Mandore.JPG
A mandora, ancestral do mandolin.


Wartburg-Laute.JPG
Guittern ou guitarra primitiva.


Saltério, da família da harpa.

Dulcímero (similar em sua estrutura ao saltério e a cítara). 


Byzantine Lyra Museo Nazionale.jpg
Primeira figuração conhecida da lira em uma caixa de marfim
(900 - 1100 a.D.). Museu Nacional de Florença.

http://www.youtube.com/watch?v=2wOrr9NvlTk&list=PL14078CE37EA6B15D


A lira com arco do Império Bizantino foi o primeiro instrumento com cordas e arco registrada na Europa. O geógrafo persa Ibn Khurradadhbih, do século IX (ca. 911), descreveu a lira Bizantina em seu livro sobre discussão de instrumentos com arco e cordas equivalentes ao rabãb árabe e típico instrumento do período bizantino, ao lado do urghun (órgão), shilyani (tipo de harpa ou lira) e o salandj (provavelmente uma gaita de foles). 

http://www.youtube.com/watch?v=613nUS1m3j8

O hurdy-gurdy foi (e ainda é) um violino mecânico que usa uma roda de madeira atritada com as cordas. Instrumentos como o jaw harp eram populares naqueles tempos. Existiam versões primitivas do órgão, violino (ou viola), do trombone (chamado de sckkbut). 




Louvet Drehleier.JPG
O hurdy-gurdy. 

Gêneros


Houve diversos gêneros musicais na Idade Média: o Canto Gregoriano, Ars Nova, Organum, Moteto, Madrigal, Canon (música) e Ballata. A música medieval podia tanto ser sacra quando secular. Durante o período medieval inicial no gênero litúrgico do Canto Gregoriano predominou a monofonia. Gêneros polifônicos começaram a se desenvolver durante a Alta Idade Média, tornando-se prevalente ao final do século XIII e início do século XIV. O desenvolvimento de tais formas está, frequentemente, associado ao Ars Nova

http://www.youtube.com/watch?v=iKt2m9-gqYA

Uma das primeiras inovações do canto monofônico deu origem ao canto heterofônico. O Organum, por exemplo, expandiu sobre melodias harmônicas e melódicas sequenciadas usando uma linha de acompanhamento, cantada com intervalos fixos, alternando polifonia com monofonia. Os princípios teóricos do Organum são muito antigos, provavelmente do século I, como a Musica Enchiriadis, que introduziu a tradição de duplicar um canto preexistente em moção paralela com intervalos de uma oitava, chegando à quinta e à quarta.

http://www.youtube.com/watch?v=TuN_c4L0GWk

De grande sofisticação foi o Moteto, que se desenvolveu do gênero Clausula de canto plano medieval e se tornaria a mais popular forma de polifonia. Enquanto os motetos iniciais eram litúrgicos ou sacros, ao fim do século XIII o gênero havia se expandido para incluir tópicos seculares, como o do amor cortês. 

http://www.youtube.com/watch?v=CKZ-28Bn81Q


Durante o Renascimento, o gênero secular italiano do Madrigal também se tornou popular. Similar ao caráter polifônico do moteto, os madrigais desenvolveram grande fluência e movimento na linha de frente. A forma madrigal também deu origem ao Canon, especialmente na Itália onde eles foram  compostos sob o título La Caccia. Estas foram peças seculares de três partes, que apresentavam as duas vozes mais altas em canon, com um instrumental subjacente de acompanhamento de longas notas. 

http://www.youtube.com/watch?v=b2OwoPgNpts

Ao fim do período medieval desenvolveu-se a música instrumental exclusiva, no contexto de uma tradição teatral crescente e para consumo da corte. As músicas de dança, frequentemente improvisadas em torno de grupos familiares, foi um gênero muito comum e generalizado. A secular Ballata, que se tornou muito popular no Trecento italiano, teve suas origens, por exemplo, em instrumentos medievais de música de dança.


Teoria e notação

Durante o período medieval surgiram as notações que deram origem às atuais e modernas práticas e teorias de notação musical. Foi notável o desenvolvimento de um sistema de notação compreensivo. Os avanços teóricos, principalmente em relação ao ritmo e à polifonia também são importantes para o desenvolvimento da música ocidental. 

http://www.youtube.com/watch?v=MjlTLTcM12Y

A música medieval mais primitiva não tinha nenhum sistema de notação. O som era monofônico e transmitido através de tradição oral. Este tipo de notação servia apenas como uma ajuda de memória para um cantor que anteriormente já conhecesse a melodia. Como Roma tentou centralizar as várias liturgias e estabeleceu o rito romano como a tradição fundamental, a necessidade de transmitir a idéia desse canto para grandes distâncias foi muito difícil. O primeiro passo para solucionar este problema veio com a introdução de vários sinais escritos acima dos textos dos cantos, chamados neumas. A origem dos neumas não é muito clara e ainda é motivo de debates. Muitos estudiosos atribuem sua origem aos clássicos gregos e romanos, cujos sinais gramaticais indicavam importantes pontos de declamação ao relacionar-se ao aumento e diminuição do tom de voz. 

http://www.youtube.com/watch?v=CKZ-28Bn81Q

Os dois sinais básicos da gramática musical clássica foram o acutus, indicando um aumento da voz, e o gravis, indicando um abaixamento. Eventualmente, eles evoluíram para símbolos básicos de notação neumática, o virga (ou "verga") que indica uma nota mais alta e ainda se parecia com o acutus do qual ele veio, e o punctum (ou "ponto") que indica um abaixamento da nota, e, como sugere o nome, reduziu o símbolo do gravis para um ponto. Deles, o acutus e o gravis podiam ser combinados para representar inflexões vocais gráficas na sílaba. Este tipo de notação não parece ter sido desenvolvido antes do século VIII, mas apenas durante o século IX ele estabeleceu-se como o método primário de notação musical. A notação básica da virga e do punctum permaneceram os símbolos para notas individuais, mas os outros neumas logo se desenvolveram revelando várias notas reunidas em um conjunto. Esses novos neumas - chamados de ligaduras - são essencialmente combinações de dois sinais originais. Esta notação neumática básica podia somente especificar o número de notas e revelar se moviam para cima ou para baixo. Não havia forma de indicar a exata altura do som, qualquer ritmo, ou mesmo a nota inicial. Essas limitações são uma indicação fundamental de que os neumas foram desenvolvidos como instrumentos para apoiar a prática da tradição oral, e não para substitui-la. Entretanto, mesmo que tenham começado como uma mera ajuda para a memória, logo se tornaram evidentes os seus benefícios.

http://www.youtube.com/watch?v=1oR3pXcnsTs&list=PL62E960C66BDD0720

O desenvolvimento seguinte na notação musical foram as "alturas dos neumas", nas quais os neumas eram cuidadosamente colocados em diferentes alturas em relação uns aos outros. Isto permitiu que os neumas dessem uma indicação segura do tamanho de um determinado intervalo, assim como sua direção. Como consequência, rapidamente passou-se a notar uma ou duas linhas, cada uma representando uma nota particular. Sobre elas foram notados na escrita da música todos os neumas relacionados com os seus anteriores. No  começo essas linhas não tinham significado particular e, apesar disso, tinham uma letra colocada no início, indicando qual nota foi representada. Todavia, as linhas que indicavam o Dó médio e o Fá uma quinta abaixo, lentamente se tornaram mais comuns. Foram inicialmente desenhadas em pergaminho e, posteriormente, desenhadas com duas tintas coloridas diferentes: geralmente vermelho para o Fá, e amarelo ou verde para o Dó. Este foi o início do conjunto de notas como hoje conhecemos. O conjunto das quatro linhas é habitualmente atribuído a Guido d'Arezzo (ca. 1000-1050), um dos mais importantes teóricos da música na Idade Média. Enquanto fontes mais antigas atribuem o desenvolvimento do conjunto a Guido, alguns modernos estudiosos sugerem que ele agiu mais como um codificador de um sistema que já estava sendo desenvolvido. De qualquer forma, esta nova notação permitiu a um cantor aprender peças completamente desconhecidas para ele em um tempo muito mais curto. Todavia, mesmo quando a notação de um canto tinha progredido de várias formas, um problema fundamental permaneceu: o ritmo. O sistema de notação neumático, mesmo em seu estado completamente desenvolvido, não definia claramente nenhum tipo de ritmo para o canto das notas. 

http://www.youtube.com/watch?v=omHQ388lq5k

A teoria da música na Idade Média passou por diversos avanços em relação às práticas anteriores, tanto nas matérias tonais,  na textura e no ritmo.
  

O Ritmo 

O ritmo passou por diversas mudanças dramáticas e importantes, tanto na concepção quanto na notação. Durante o período medieval arcaico (476 d.C.- 1000 d.C.) não havia método de notação para o ritmo, o que tem levado a acalorados debates entre os estudiosos. Ao fim da Alta Idade Média (1000 d.C. - 1300 d.C.), no século XVIII, surgiu o primeiro sistema de notação escrita. Este mapa de ritmos foi codificado pelo teórico da música Johannes de Garlandia, autor de De Mensurabili Musica (ca. 1250), o tratado que definiu e elucidou de forma mais completa esses modos rítmicos. Em sua obra, Johannes de Garlandia descreve seis espécies de modos, ou seis diferentes caminhos nos quais os longos e os breves podem ser arranjados. Cada modo estabelece um padrão rítmico em batidas (ou tempora) dentro de uma unidade comum de três tempora (a perfectio) que é repetida sempre. Além do mais, a notação sem texto é baseada em cadeias de ligaduras (as notações características pelas quais grupos de notas são unidas umas com as outras). O modo rítmico pode geralmente ser determinado pelos padrões de ligaduras usadas. Uma vez que o modo rítmico tenha sido assinalado para uma linha melódica, houve geralmente pequeno desvio daquele modo, embora os ajustes rítmicos pudessem ser indicados por mudanças no padrão esperado de ligaduras, mesmo até chegar à mudança para outro modo rítmico. 

http://www.youtube.com/watch?v=XgvDBwJwUac

O próximo passo à frente quanto ao rítmo veio do teórico alemão Franco de Colônia. Em seu tratado Ars cantus mensurabilis ("A Arte da Música Mensurável"), escrito por volta do ano 1280, ele descreve um sistema de notação no qual notas diferentemente desenhadas tinham valores rítmicos inteiramente diferentes. Isso é uma forma extraordinária de mudança do sistema anterior de Garlandia. Enquanto antes da duração da nota individual podia somente ser juntado do próprio modo, esta nova relação invertida tornou o modo dependente e determinado pelas notas individuais ou figurae que tinham, de forma segura, valores de duração, uma inovação que teve um grande impacto na história subsequente da música européia. Muitos dos manuscritos notados e preservados do século XIII usam os modos rítmicos definidos por Garlandia. O passo à frente na evolução do ritmo veio após a virada do século XIII com o desenvolvimento do estilo Ars Nova.

http://www.youtube.com/watch?v=D5ubvYqOh1M

O teórico mais reconhecido deste novo estilo é Philippe de Vitry, famoso por escrever o tratado Ars Nova ("Arte Nova") por volta de 1320. Esta obra deu seu nome ao estilo de toda esta era. De certa forma, o sistema moderno de notação rítmica começou com Vitry, que rompeu completamente com as idéias velhas dos modos rítmicos. Os predecessores das modernas notações também se originam do Ars Nova. Este novo estilo foi claramente construído sobre o trabalho de Franco de Colônia. No sistema de Franco, a relação entre uma breve uma semibreve (que é meia breve) foi equivalente àquela entre uma breve e uma longa: e, desde que para ele o modus era sempre perfeito (agrupado em três), a batida tempusor era inerentemente perfeita e, consequentemente, continha três semibreves. Algumas vezes, o contexto do modo requereria um grupo de somente duas semibreves, todavia, essas duas semibreves seriam sempre uma de duração normal e a outra de duração dupla, ligado a isso tomando o mesmo espaço de tempo, e assim preservando a subdivisão perfeita do tempus. Esta divisão ternária levou aos valores de todas as notas. Ao contrário, o período do Ars Nova introduziu duas importantes mudanças: a primeira foi uma subdivisão ainda menor de notas (semibreves, poderiam agora ser divididas no minim), e a segunda era o desenvolvimento da "mensuração". Mensurações podiam ser combinadas de várias formas para produzir grupos métricos. Esses grupos de mensurações são os precursores da métrica simples e composta. Nos tempos da Ars Nova, a divisão perfeita do tempus não foi a única opção já que as divisões duplas se tornaram mais aceitas. Para Vitry, o breve poderia ser dividido, para uma composição inteira, ou seção de um, em grupos de dois ou três semibreves menores. Desta forma, o tempus (o termo que veio para descrever a divisão da breve) poderia ser tanto "perfeito", (Tempus perfectus) com subdivisão ternária, ou "imperfeito" (Tempus imperfectus) com subdivisão binária. De forma parecida, a divisão das semibreves (chamada prolação) poderia ser dividida em três minima (prolatio perfectus ou prolação maior) ou duas minima (prolatio imperfectus  ou prolação menor) e, em um nível mais elevado, as divisões longas (chamadas modus) poderiam ser três ou duas breves (modus perfectus ou modo perfeito, ou modus imperfectus ou modo imperfeito) respectivamente. 

http://www.youtube.com/watch?v=xwsBuxwbIRY

Vitry avançou mais um degrau indicando a divisão adequada de uma determinada peça no começo através do uso de um "sinal de mensuração", equivalente às nossas modernas "assinaturas dos tempos". O Tempus perfectus foi indicado por um círculo, enquanto o tempus imperfectus foi assinalado por um meio-círculo (nosso atual "C" como um substituto para a assinatura do tempo 4/4 é atualmente um remanescente desta prática, não uma abreviação para "tempo comum", como popularmente se acreditava). Enquanto muitas dessas inovações são atribuídas a Vitry, e, de alguma forma, presentes no tratado Ars Nova, foi um contemporâneo (e conhecido) de Vitry, chamado Johannes de Muris (Jehan des Mars) que produziu o tratamento mais compreensivo e sistemático das recentes e inovadoras do Ars Nova. Muitos estudiosos, citando uma falta de evidências de atribuição positiva, agora consideram o tratado "de Vitry" como de autoria anônima, mas isso não diminui sua importância para a história da notação rítmica.

http://www.youtube.com/watch?v=IBZmehsBnNU

O estilo do Ars Nova permaneceu o sistema rítmico primário até os trabalhos altamente sincopados do Ars subtilior no final do século XIV, caracterizados por extremos de complexidade rítmica e de notação. Estes sub-gêneros levaram a liberdade rítmica introduzida pelo Ars Nova até seus limites, como algumas composições com diferentes vozes simultâneas, em tempus diferentes. A complexidade rítmica produzida com esta música é comparável àquela do século XX.

http://www.youtube.com/watch?v=GgQAEwLU4js


A Polifonia



Polifonia, termo que vem do grego e significa várias vozes, é uma técnica de composição onde duas ou mais vozes se desenvolvem mantendo um caráter melódico e rítmico individualizado. É o contrário da monofonia, onde existe apenas uma voz, ou se existem outras, elas seguem a voz principal em uníssono ou a uma distância de oitava(s), ou realizam floreios em torno da principal. É diferente da monodia, onde uma voz melódica é acompanhada ou não de acordes, sem caráter melódico próprio. Ainda também é diferente da homofonia e do contraponto, onde várias vozes se movem com ritmo igual ou muito parecido, formando nítidos acordes, que podem ter ou não um caráter melódico próprio e acentuado.

http://www.youtube.com/watch?v=Y6H9qDXQx_A


A polifonia teve origem no fim da Idade Média Arcaica e teve a mesma importância para a história da música ocidental que as mudanças texturais. Isso levou a formatação da música, dominada pela harmonia, como hoje a conhecemos. As primeiras referências a este desenvolvimento textual foram encontradas em dois tratados muito conhecidos de então, o Musica e o Scolica enchiriadis. Datam da última metade do século IX. Eles descrevem a técnica que parecia já estar bem estabelecida na prática da época.
Até então a música era homofônica, ou seja, era uma melodia única, linear, apenas com um acompanhamento rítmico. A monodia dominou a música religiosa ocidental com o Cantus Firmus e o Canto Gregoriano. Por volta do século X surgiu a idéia de sobrepor vozes em intervalos de oitavas e quintas. Essa prática se desenvolveu e chegou ao seu apogeu no século XV, com o contraponto largamente difundido. O contraponto é a técnica de contrapor melodias, isto é, cantar melodias diferentes ao mesmo tempo. Isso criou uma resultante musical nova, a verticalidade musical, isto é, notas musicais sobrepostas que soam ao mesmo tempo. Com o desenvolvimento do temperamento surgiu a harmonia.  

http://www.youtube.com/watch?v=ZkY9nnuiXrs




Música na Roma Antiga.

Ficheiro:Apollo Kitharoidos BM 1380.jpg
Apolo tocando a kithara”, obra romana encontrada na Líbia

Sabe-se menos sobre a música da Roma antiga do que sobre a música da Grécia antiga. A arte musical grega, que embora tenha deixado escassos exemplos registrados (apenas cerca de 40 fragmentos), persiste em diversas descrições e num sistema bastante bem desenvolvido, mas da música romana nos chegaram ainda menos relíquias, e suas características ainda permanecem em grande parte no terreno da conjetura.

Os romanos não eram muito originais no que diz respeito à arte, tendo importado a maior parte das técnicas e referências estilísticas da Grécia, como se pode ver pelos exemplares remanescentes de escultura e pintura. Não é possível afirmar com certeza se isso se repetiu na música, embora seja bastante provável. Mas ao contrário dos gregos, sabe-se que não havia uma forte associação de ética e música entre os romanos.

http://www.youtube.com/watch?v=heZvEmLvN04

A despeito desta dependência, há registros sobre a largamente difundida presença de música em todas as ocasiões da vida romana, desde em manobras militares e nos grandes festivais, onde havia performances em larga escala que incluíam centenas de instrumentistas e usando instrumentos de enormes dimensões, como kitharas construídas do tamanho de carruagens, até o uso discreto e doméstico de instrumentos solo. Concursos musicais eram comuns e a educação em música era considerada um sinal de distinção social.

http://www.youtube.com/watch?v=WJKkt-V7D0o&feature=share

Supõe-se que eles tenham empregado em sua produção sonora o sistema grego dos modos, e que a prática teria sido principalmente monódica. A música vocal teria imitado o padrão grego, embora adaptado ao ritmo peculiar da prosódia latina. Igualmente não é claro o grau de participação de outros elementos exógenos na cultura musical romana, e pode-se imaginar que tenha havido alguma troca de influências com os etruscos, asiáticos, africanos e povos bárbaros do norte da Europa, integrantes de regiões que com o tempo foram sendo anexadas ao Império em expansão. Uma das causas para as grandes lacunas existentes em nosso conhecimento sobre a música romana é o desagrado com que os primeiros cristãos encaravam o teatro, os festivais e os ritos pagãos, suprimidos assim que o cristianismo se tornou a religião oficial, junto com sua 
música.

http://www.youtube.com/watch?v=SB9ZZ5V1DX8&feature=share

É possível que os romanos tenham imitado também o sistema notacional dos gregos para transcrever suas composições, usando quatro letras para indicar quatro notas em sucessão que perfaziam um tetracorde. Sinais auxiliares acima das letras indicariam a duração e o ritmo. Não se sabe em que extensão anotavam a sua música. A arte do período deixou diversas representações de músicos, mas nenhum deles lê qualquer partitura, e só foi descoberto até agora reduzidíssimo número de fragmentos escritos, em sua maior parte procedentes do Egito helenístico, com uma variante da notação grega tradicional, e podem mesmo ser de origem grega e não romana. É possível que os neumas medievais tenham evoluído da obscura notação romana anterior. Boécio escreveu sobre música, mas seu trabalho é antes uma descrição da música grega do que um retrato da música romana de sua época.

http://www.youtube.com/watch?v=NhuTAnJcHH4&feature=share

Graças ao testemunho das artes visuais e a alguns exemplares encontrados, nosso conhecimento sobre os instrumentos romanos antigos é bem mais rico do que sobre suas composições. Eram empregados muitos tipos de instrumentos de todos os principais gêneros: sopro, cordas e percussão.

Sopro

Bucina
  • Bucina e cornu, grandes e delgados tubos de bronze em forma da letra G, envolvendo o corpo do executante, e podia ou não ter uma barra transversal de apoio. Tinha seção cônica e um bocal também cônico. Também é de herança etrusca.
  • Tuba. Não era como as modernas tubas, mas possuía um longo tubo cilíndrico de bronze com um final que se abria de súbito em uma forma de sino, semelhante ao trompete. Tinha um bocal removível cônico e nenhuma válvula, o que permitia apenas a produção de uma série simples de sobretons, sendo um instrumento basicamente de uso militar aparentemente herdado dos etruscos. O comprimento dos exemplares descobertos fica em torno dos 130 cm.
  • Tibia. Uma versão latina do aulos grego, usualmente duplo, com palheta e um bocal único para manter os início dos dois tubos juntos na boca do músico. Reconstruções modernas indicam que produzia um som baixo, como o do clarinete.
  • Ascaule, phusale e utriculium, tipos de gaita de foles.
  • Flautas e flautas de Pã, semelhantes ao exemplares modernos.

Cordas

Afresco de Boscoreale mostrando uma matrona a toca kithara.
          
  • Lira, tomada dos gregos, era uma espécie de harpa com um arcabouço feito com o casco de tartarugas, e um número variável de cordas que eram beliscadas com os dedos.
  • Kithara, que gradualmente substituiu a lira no gosto romano, semelhante a esta mas com uma caixa de ressonância maior, sendo tocada com um plectro. Era um dos instrumentos favoritos, sendo usado em diversas ocasiões, tanto públicas como privadas, e seus virtuoses era capazes de levar o público às lágrimas.
  • Alaúde, um precursor das guitarras modernas. Na época romana tinha três cordas e não era muito popular, embora fosse mais fácil de tocar que a lira ou a kithara.

Percussão

Era uma das seções mais ricas do instrumentarium romano, com uma profusão de tipos de sinos, chocalhos, sistros, címbalos, tímpanos e tambores, usados em todas as ocasiões. Há indícios de que a música romana era fortemente rítmica, e a percussão deve ter desempenhado um papel importante na marcação do tempo.

Órgãos

Representado em mosaicos e em fragmentos preservados em museus, o órgão romano parece ser um intermediário entre a gaita de foles e os órgãos como os conhecemos hoje. Não se conseguiu esclarecer seu mecanismo de ação. Um tipo especialmente interessante é o hydraulis, um órgão que trabalhava com a pressão da água. Também foi herdado dos gregos, e existe um bem preservado modelo em argila encontrado em Cartago em 1885. Reconstruções modernas produzem um som suave e doce, adequado para acompanhamento de música vocal.

Ficheiro:Hydraulis.jpg
O hidraulis.

Fonte: Wikipedia.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Música na Grécia Antiga




A cultura da Grécia antiga (c. séculos VII a I a.C.) contribuiu em larga medida para a origem da presente civilização ocidental. Mas, ao contrário da arquitetura e da escultura, por exemplo, que preservam grande número de exemplares em estado de conservação suficiente para serem bem estudados e compreendidos, a música da Grécia Antiga não pôde manter uma continuidade direta até os dias de hoje, mas não deixou de exercer influência significativa na cultura romana subseqüente, dali se transmitindo à Idade Média através da teoria, com suas escalasmodos e noções deharmonia.
O que hoje subsiste da música daquela época são uma multiplicidade de referências literárias, inúmeras representações visuais de músicos em ação com seus instrumentos, e um sistema teórico, mas das obras propriamente ditas resta apenas um punhado de fragmentos com notação, cujo deciframento exato ainda é objeto de controvérsia.


A música entre os antigos gregos era um fenômeno de origem divina, e estava ligada à magia e à mitologia, havendo várias histórias místicas relacionadas à origem da música e suas capacidades e funções. Alguns instrumentos e modos eram associados especificamente a certas divindades, como o aulos a Dionísio, e a kithara a Apolo. Além disso registros diversos indicam que a música era parte integral da percepção grega de como o seu povo teria vindo à existência e de que continuava a ser regido pelos deuses. Por exemplo, Anfião teria aprendido música com Hermes e teria construído Tebas através do poder do som; Orfeu podia tocar com tamanha doçura que até as feras quedavam absortas; Hermes teria inventado a lira, dada a Apolo em troca do gado que havia dele roubado. O próprio Apolo, depois assumindo o papel de Deus da Música e líder das Musas (das quais Euterpe tutelava a Música), é mencionado em competição com Mársias e . Assim, estando presente em alguns de seus principais mitos, a música invariavelmente era usada nos ritos religiosos, nos Jogos Olímpicos e Pítios, nas festas cívicas, nas atividades de lazer e subsidiando outras formas de arte.







http://www.youtube.com/watch?v=gGVezj1gmLc&feature=share


O elemento básico da música grega era o tetracorde, que consistia numa escala de quatro notas descendentes inclusas no intervalo de uma quarta justa, e os intervalos entre as quatro notas, sendo variáveis, definiam as modalidades diatônicacromática ou enarmônica da peça musical.

O tetracorde cromático era formado por um intervalo de terça menor e dois intervalos de semitom; o tetracorde enarmônico tinha um intervalo de terça maior e dois de quarto-de-tom. O tetracorde diatônico variava de acordo com a posição do semitom, formando os subtipos dórico (semitom na base, de origem grega), frígio (semitom no centro, de origem asiática), e lídio (semitom no alto). A justaposição de dois tetracordes, ao que consta concebida por Terpandro de Lesbos, formava uma harmonia - não no sentido atual de sons simultâneos. Os tetracordes podiam, assim, ser conjuntos ou disjuntos. Se em uma harmonia disjunta se acrescentavam um tetracorde conjunto no topo, um outro também conjunto abaixo, e sob este uma outra nota (proslambanòmenos), criava-se o sistema téleion, ou perfeito, abrangendo duas oitavas inteiras. Com a mudança de oitava dos tetracordes anexos para baixo ou para cima do tetracorde fundamental criavam-se os hipomodos (hipodórico, hipofrígio e hipolídio) ou os hipermodos (hiperdórico, hiperfrígio e hiperlídio).


http://www.youtube.com/watch?v=p8yWpQfN-V8

O grande teórico da música grega antiga foi Pitágoras, considerado o fundador de nosso conhecimento de harmonia musical - a relação física entre as diferentes freqüências sonoras (notas) e o efeito de suas combinações. Também foi ele o sistematizador da associação de cada modo com determinado estado de alma, imbuindo-os de uma ética especial. Por exemplo, o modo dórico era considerado capaz de induzir um estado (ethos) pacífico e positivo, ao passo que o modo frígio era considerado subjetivo e passional, uma sensibilidade hoje em grande parte perdida, mas que pode ser vagamente comparada ao efeito das modernas escalas maior, convencionalmente usada para produzir uma impressão animada e alegre, e menor, usada para descrever estados melancólicos ou introspectivos. Também a ele se deve a análise da música sob a ótica de uma matemática transcendental, relacionando-a à constituição íntima do universo, concebido como uma estrutura criada e sustentada através de relações numéricas perfeitas que produziam a chamada música das esferas, a qual, entretanto, só poderia ser inteligível através do pensamento superior. Daí a ligação da música com afilosofia e a conseqüente codificação de uma série de regras éticas para composição e execução musical, a fim de que a música humana ecoasse a ordem perfeita do cosmo.

http://www.youtube.com/watch?v=elERNFoEf3Y&feature=share

Aristóteles continuaria nesta linha mais aberta de apreciação, estabelecendo uma justificativa antropológica para o fenômeno musical baseada no conceito da catarse. Para ele não havia nada de eticamente nocivo na música, pois ela não deveria pretender ser uma realidade, mas sim um modo de purificação das paixões pela sua indução imitativa, homeopática e por fim liberadora, dizendo que Platão confundia a realidade com a imitação da realidade. Na visão de Aristóteles a música era uma espécie de ócio e uma arte liberal e nobre, sendo ao mesmo tempo medicinal e educativa por oferecer às pessoas a oportunidade do confronto com sentimentos específicos, para conhecê-los e posteriormente, na vida real, poderem ser capazes de escolher os que fossem adequados.O sistema de Pitágoras deve ter sido dominante por algum tempo, a julgar pelo ataque de Platão ao estado de coisas em sua época, que já considerava privado de ordem e sujeito ao juízo de aventureiros que ou desconheciam ou intencionalmente quebravam as regras estabelecidas. Entre estes revolucionários deveria estar Aristóxeno de Taranto, teórico prolífico que defendia o julgamento das consonâncias pelo ouvido e não por razões matemáticas, filosofia que levou modernamente ao sistema de temperamento de escalas. Mas a execução daquilo que soava bem ao ouvido, um ponto de vista considerado mundano e inferior que satisfazia somente aos sentidos físicos, profanava a ética musical estabelecida anteriormente, pois a música era vista não apenas como uma arte inconseqüente, ainda que investida de uma moral, mas era considerada também um poder efetivo por não apenas descrever os vários estados de espírito mas também por ser capaz de produzí-los concretamente nos ouvintes, e assim a violação de suas regras poderia desencadear desordens na sociedade como um todo. Não obstante os protestos dos idealistas, esta época foi marcada pela evolução da arte em direção a um subjetivismo, à forma livre, à elaboração maior da melodia e do ritmo, e ao uso de cromatismos.







A música grega mais antiga não deixou qualquer registro. As primeiras menções se encontram na era Homérica, quando já havia uma considerável cultura musical nacional em pleno florescimento, baseada principalmente na récita de poesia acompanhada com instrumentos, do qual o mais comum era a Fórminx, uma espécie de lira.

As descrições sugerem que a música grega era basicamente monódica, e no máximo heterofônica. É uma asserção geralmente aceita a de que a harmonia, como hoje é entendida - uma organização do tecido sonoro em camadas com várias notas soando simultâneas em acordes - é invenção mais recente, datando da Idade Média. Mesmo assim, alguns registros fazem crer que pelo menos em algumas ocasiões havia música realmente harmônica, ainda que isso fosse considerado uma técnica avançada e nem sempre adequada.


https://www.youtube.com/watch?v=uridIe19iOQ


No século VI a.C. o coro passou a ter importante papel em eventos públicos, religiosos ou laicos, e a lírica coral se tornou um gênero autônomo, elaborando tipos definidos de composição para cada ocasião. Assim, eram entoados ditirambos em honra a Dionísio, peãs para Apolo, epitalâmios nos casamentos, trenodias nos funerais, partênios como canto de jovens, hinos em louvações variadas, eepínicos para os vencedores dos Jogos. Todas estas formas dependiam diretamente da estrutura e ritmo da poesia, e a origem do teatro grego está na evolução dos ditirambos cantados.





A teoria do ritmo recebeu grande atenção dos gregos antigos, comparável ao interesse contemporâneo por este aspecto da música, estando intimamente ligado à composição poética. O primeiro tempo, base do sistema, era definido pela nota breve (U), que duplicada formava a longa (-). A combinação de breves e longas gerava ritmos básicos, chamados de pés, análogos aos tempos modernos. Havia assim o iambo (U-), o troqueu (-U), o tríbraco (UUU), o dáctilo (-UU), o anapesto (UU-), e diversos outros.


https://www.youtube.com/watch?v=VkPlNQ4ap1o


A justaposição de pés diversos formava os metros, e vários metros compunham uma frase ou kôlon. Por sua vez as frases de agrupavam em períodos e os períodos em estrofes, ordinariamente seguidas de uma reprise (antístrofe) e de um final(epodo), havendo grande minúcia na regulação das normas para uso adequado de cada espécie de composição.





A notação musical grega foi elaborada apenas no século IV a.C., e servia principalmente para auxílio mnemônico privado dos músicos profissionais. Havia dois tipos de notação: avocal, que utilizava letras do alfabeto grego maiúsculo, e a instrumental, empregando sinais do alfabeto fenício em posições variáveis. Além disso outros sinais como pontos e traços eram adicionados para significar modificações.
Atualmente sobrevivem apenas poucos fragmentos de obras musicais da antigüidade, e apenas uma peça é completa, o breve Epitáfio de Seikilos. A maior parte dos fragmentos data dos séculos II e III a.C. O mais antigo é do século V a.C., com só poucas notas inscritas em uma cópia da tragédia Orestes, de Eurípides. Apesar de sua aparente simplicidade, o sistema notacional grego ainda não foi plenamente decifrado, e tudo o que se pode hoje reconstituir para execução prática é em base conjetural.





Alguns instrumentos se tornaram tradicionais:

  • kithara, também um instrumento de cordas, mais complexo que a lira, possuindo uma caixa de ressonância. As cordas era tocadas com um plectro e podiam ser afinadas em diferentes alturas.A lira, um instrumento de cordas tangidas afinadas segundo as notas de um dos modos, e fixadas em um arcabouço formado com o casco de tartaruga. Era usada como acompanhamento para recitativos e canções.
  • aulos, usualmente duplo (Diaulos), sendo uma espécie de flauta com palheta, possivelmente produzindo uma sonoridade similar à do oboé ou clarinete.
  • flauta de Pã, também conhecida como Syrinx, constituída de uma série de tubos fixos juntos, de comprimentos diferentes, através dos quais o ar era soprado pela extremidade superior.
Há ainda registro de muitos outros instrumentos, como a concha marinha perfurada, um tipo de trompete (Salpinx), uma flauta transversal chamada Photinxcímbalossistros e tambores, e diversos mais.



Fonte: Wikipedia.